Gosto do last.fm. Uma das coisas que aprecio mais é a possibilidade de registar todas as músicas que ouço neste computador e organizá-las em listas que satisfazem os meus impulsos obsessivo-compulsivos. Também gosto das internets. E de conhecer conceitos como o tag cloud e sites como o wordle. Mas o que eu gosto mesmo é que todos saibam exactamente o que eu gosto. Um bocadinho de magia geek, tempo livre e voilá: uma nuvem das minhas bandas favoritas, onde o tamanho de cada uma é proporcional ao número de vezes que a ouvi nos últimos 4 meses.
Ficou giro!
(Antes disto tinha experimentado fazer uma nuvem de palavras com a minha tese de licenciatura, mas de certo modo acho que "energia", "temperatura" e "lennard-jones" em tamanho xxl não dá um poster tão glamoroso)
Esta história aconteceu no primeiro de Abril mas é verdadeira. A sério, tenho testemunhas. E uma delas é Portugal.
A TVI tem um programa de televisão às 2 da manhã cuja audiência alvo são desempregados, tarados sexuais, donas de casa, potenciais suicidas e jovens com níveis de alcoolemia que variam do ligeiro ao preferencialmente sentado para evitar partir coisas. Ou todas as opções, grupo no qual me insiro com orgulho.
Este programa é o "s€mpre a somar" e, para quem não conhece, consiste num jogo simples com uma quantidade tal de soluções que a probabilidade de acertar não é muito diferente de ganhar o totobola. Para participar basta tentar ser uma de cada 25 chamadas, gastando 60 cêntimos + iva por cada tentativa. És incentivado a participar porque não só a apresentadora tem um par de olhos voluptuosos, como as outras sugestões são tão estúpidas que não há como não pensar que não farias melhor.
Pois bem, eu e os meus homies sentíamo-nos aventureiros e à terceira chamada fomos escolhidos e passamos à fase seguinte. Sei que passamos à fase seguinte porque uma gravação fez questão de mo repetir penosamente por não menos de 20 minutos. "Passou à fase seguinte, aguarde e poderá ser seleccionado para jogar" está agora permanentemente gravado no meu ouvido interno.
O jogo consistia em resolver uma palavra na vertical cruzada com outras quatro na horizontal. As palavras eram:
Ora aqui as possibilidades são muitas. Acabamos por concordar em "gira", que era uma tentativa tão boa como qualquer outra, embora ache, sinceramente, que muito menos interessante que a minha sugestão que formava, na horizontal, as palavras PAMA, SIGA, CALA e BALA. Ok, admito que pama talvez não seja uma palavra a sério, mas não me podem dizer que não seria memorável.
Após uma pausa agonizante, durante a qual começava a ficar genuinamente nervoso, começo a ouvir a voz da apresentadora. Isto estava a acontecer. De repente senti-me poderoso. Eu num palco em horário nobre (nobre para mim) para uma plateia do tamanho de um país. Mas o que podia eu fazer. Já quasetudo foi feito.. E ainda havia a questão dos 2000 euros. Valeria a pena abdicar de uma vida de luxos inimagináveis para mim e para os meus dois sócios e respectivas famílias, por um lampejo de fama efémera? Tentei ignorar as palavras "joão, não faças merda" que ouvia e concentrar-me no momento.
"Boa noite"
"Boa noite". Até aqui tudo bem. Juntar duas palavras numa frase coerente e uma voz mais grave que o costume para disfarçar o ténue tremor nas cordas vocais.
"Com quem estou a falar?"
Guardarei para sempre este momento como o mais orgulhoso da minha vida:
"João Sousa".
Poderia ter respondido João, só Sousa ou até Givanildo, mas não podia perder a oportunidade de me exibir. Isso é algo que eu não deixo passar ao lado. Nunca.
"Olá João Sousa, qual é o seu palpite?"
"Gira". Calmo, confiante, e à espera que ela mordesse o isco.
E mordeu. Uma risadinha, uma dança que eu acho que ela queria fazer passar por sensual e a pergunta imortal:
"Hihi, sou gira?"
Oh, meu Deus! Era como se Deus tivesse escolhido esse momento para tirar à sorte de um chapéu um papel com um nome a quem concederia todos os seus desejos, e nesse papel estivesse escrito João Sousa. Em hebraico, claro.
Se és gira? Eu fervilhava de ideias para respostas a essa pergunta:
* Sim * Não * Tem dias. * Gostava mais da outra. * Nua. * Já tive piores. * Digo-te só que se fosse uma palavra de três letras a minha tentativa era "boa". * Não, mas a tua mãe é.
As possibilidades eram demasiadas, a tensão crescia, o tempo apertava e eventualmente a minha ganância sobrepôs-se à minha idiotice, por isso fiquei-me por um
"uhu" de reconhecimento.
Sim, uma mulher atraente num programa de televisão perguntou-me se eu achava que ela era gira e a minha resposta foi um grunhido. Esperem, preciso de reproduzir este som em toda a sua glória para perceberem a magnitude deste momento:
Claro que "gira" não era a resposta certa. Afinal, sorte ao amor. Pelo menos quando estiver moribundo no meu leito final poderei identificar com facilidade o melhor momento da minha vida.
Se alguém, em algum lugar, em alguma altura, por alguma razão, tiver um video do programa "sempre a somar" de 1 de Abril de 2009 (madrugada de 2 de Abril de 2009), por favor contactem-me. Ofereço todo o tipo de favores em troca. Excepto os que envergonhariam a minha mãe, claro está.
Bem sei que podia resumir esta história em dois parágrafos mas coisas destas não acontecem todos os dias, por isso obrigado pela atenção. Retribuo o favor com um encontro a quatro, tu e a tua mais que tudo, eu e uma personalidade da televisão. Se fores menina, tu, eu, uma personalidade da televisão e mais alguém para tirar fotografias.
Enquanto estou aqui deitado no meu leito, ainda um pouco embriagado de uma vitória moral e, sejamos sinceros, uma quantidade saudável de sagres, não posso deixar de pensar que a vida seria muito menos interessante sem futebol. Talvez não seja muito abonatório para a minha vida, mas cada um contenta-se com aquilo que tem. E eu não me queixo.
A verdade é que por muito efémero que seja, nada consegue injectar tão rapidamente tantas emoções, quer sejam de alegria ou desespero, adrenalina ou raiva, fascínio ou indignação. Julguem-me e eu pergunto-vos a última vez que se puseram de joelhos para festejar alguma coisa tão banal como fazer uma bola atravessar uma linha, por um jogador que nem sequer gostam, e se até não vale a pena afinal.
Até me responderem eu fico aqui a cantar, mariano mariano allez...
PS: Cissokho perdeu a cabeça, Fernando tornou-se um deus e Lisandro mostrou que quem sabe nunca esquece. E ele sabe melhor que ninguém. Xeque.